terça-feira, 18 de março de 2014

Até as baleias se foram!

“O mar como saída da minha dor”... – O menino à beira do mar de Yemanjá com as palavras do pescador que se ia...

O lugar respirava cheiro de peixe com sol forte que queimava chão e asfalto, serpenteando a praia... O peixe não estava mais lá como antes, exigindo do pai a busca do pescado para além das bandas de Itaparica... O mar, a praia, a rua, a casa, espaços do seu movimento, estavam vazios, sem sentido... O pai era tudo para este menino, e quando o barco desaparecia nas ondas o moleque ficava aos cuidados dos conhecidos porque não existia mais ninguém em vida que lhe pudesse olhar. Ele questionava o motivo de só encontrar peixe em águas distantes se o mar estava ali convidativo e aparentemente cheio de vida. Alguém ouvia os reclames e dizia que a causa estava no esgoto que matava a água, e a água que matava o peixe, e o nada que matava a todos. “Até as baleias se foram, meu filho!” – Era a cidade engolindo a praia...



“O nada... Eu só vejo vida! Meu pai diz que a vida se renova mesmo que a desgraça nos incomode. E muitas vezes podemos encontrar um sentido quando estamos no mar” - pensava... Acalmava-se, respirava um pouco e logo saía a correr pela areia e ruas. Perdia-se em si e fora de si, ou perambulava nos outros... Perdia-se a acompanhar o tempo dos outros, as coisas dos outros. Perdia-se na padaria da esquina, no mercado do peixe, na porta da igreja, nos olhos do mundo... Ah, os olhos! Reencontrava-se nestes olhos, como se fossem seus... Mas não eram. Ao menos não desejava que fossem... Mesmo assim os observava, e estes sempre melancólicos, em dor, em um não sei o quê para onde, em um vou ali e volto já nunca mais... A pressa e a indiferença das pessoas eram um incômodo enorme para ele, porque ele não existia para aquele lugar, para aquelas pessoas... Mesmo com sua falta de tino percebia uma certa tristeza enferrujada que não soltava de lugar algum... E seguia, mesmo na dúvida, porque não adiantaria muito ficar com isto no pensamento. Não era dele aquilo...

Às vezes, nas frações do dia, dava uma rodada pelo largo que se exibia ao horizonte só para ver se o barco aparecia, ou só pra ver o efeito da luz do dia naquela parte da rua... Outras vezes gabava-se de ter visto um arco-íris saindo da água, noutras de ter visto algum peixe ou passarinho exótico. Isto tudo em meio ao caos das pessoas com cara de ferrugem que teimavam em viver nas sombras... Quando o espaço não revelava uma novidade ficava com teus pensamentos, muitos deles roubados do pai. Este quando arquitetando mais uma pescaria ou tentando resolver alguma demanda imediata perdia-se enclausurado nas suas ideias por horas. E este silêncio chegava ao menino sem traduções, sem facilidades posto que o mundo dos adultos é feito de lacunas, e o mundo dos jovens é um só, em um continuum... Depois percebia que silêncio fazia bem ao pai que logo rompia em direção à orla examinar a maré ou engajava-se em mais uma pescaria longe de tudo, como se lá, resistindo, encontrasse alguma paz, porque talvez percebesse que o seu mundo estivesse no fim, assim como foi para seu avô baleeiro... E o menino ficava com a sensação de que o silêncio poderia ser uma saída diante das incongruências, sobretudo quando elas nos devoram sem uma razão razoável como se quisessem nos punir, punir a vida, a alegria, a beleza das coisas... Mas, por quê? – indagava e lembrava do pai calado e reflexivo, como se entendesse, mesmo na sua imaturidade, que a vida é feita também de silêncios, daqueles que gritam...

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